segunda-feira, 23 de março de 2009

contra-afeto: desdobramentos enviados pelo léo

"ela não sabia como aquilo se dava. sentiu que, de alguma maneira, virou a chave e tornou-se pequena naquela vastidão de desamparo. Poderia haver milhões de pedras, de caminhos a serem percorridos com furos nos sapatos, estrada com o chão quente e sol destes de trazer suor e falta de ar.olhar para trás e virar estátua de sal, sodoma e gomorra de uma respiração que faltou, calos nos pés e nas cordas vocais.

não queria agarrar-se a nada. queria voar e se espatifar no chão de uma altura incoveniente, destas que no mínimo causam dor, destes mil chãos que não tem solo, chão sem fundo, sem alça para segurar, o chão que não existiria da estrada de chão quente, dos desamparos que andam e gesticulam, em bando, em alcatéias, tentando morder, tentando devorar a nossa parte que nem sangrar, sangra.

esqueceu as palavras, como se por revanche, travou o pescoço, como se houvessem ali cadeados poderosos e correntes inquebráveis. andou de costas pra se proteger, sabia que um movimento em falso, a alcatéia alcançaria, o desamparo se alimentaria do desassosego e vampirizaria segundo por segundo de cada sílaba, cada verbo, cada adjetivo. Melhor deixá-los todos ali.
desceu as escadas no escuro, sem agasalho , sem sorriso e sem luz. cuspiu no chão que não havia, no chão de estrada quente, no chão absoluto, cuspiu no prato que não comeu. Com as unhas postiças vermelhas, coçou o saco, que está bem cheio, entrou no carro, olhou pra trás , cauculando a possibilidade de estátua de sal, de medusa, de hera, e chorou. Um choro em dó menor, com uma melodia tirada de uma fotografia antiga, destas que ninguém presta atenção nos álbuns amarelados ou em loja de três por quatro, foto na hora em venda nova.

sentia mais que desamparo. eles estavam todos ali sentia um calor estranho., sem nome, sem identificação, sem marcas de digital ou prova alguma de DNA, que por falta de nome, resolveu chamar de raiva, por desconhecer forma melhor de nomear aquilo.

vasculha as gavetas das fotografias desbotadas e entre um papelzinho ou outro ou a velha coleção de filipetas de teatro amador, lembrou-se que seu nome era digressão e embrenhou-se num mar de memórias, de idéias, de imagens.

ficou vagando em si, abrindo porta atrás de porta, se embrenhando por corredores escuros e iluminados, descendo escadarias, calhas, telhados, cozinha ladrilhada até sentir-se cansada.

percebeu que já não chovia mais, nenhuma viúva desfilava seu guarda-chuva de brechó, nenhuma gota e algumas poças nas calçadas virou a chave do carro(a chave de novo, será que você não entende que tanta porta para abrir, tanta janela neste meio desamparo todo, o que me falta é saída, não é por falta de porta ou janela. É que não há saída que seja a de emergência, a que a brigada de incêndio vai lhe mostrar para sua maior segurança, aquela onde ficam os extintores, chave de casa, chave do carro, chave é o que não me falta. Eu quero é s saída. para ser redundante).

foi ao cinema sozinha, ainda presa em um lugar que não era seu."

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