quinta-feira, 14 de abril de 2011

sim. estamos.

os dias estão correndo. eu estou correndo. correndo e vivendo um atropelo urgente. urgente e, inexplicavelmente, produtivo e tranquilizante.

nos últimos dias, várias mortes e nascimentos se fizeram diante de mim. e no meio do atropelo, também inexplicavelmente, foi possível parar, viver e seguir.

na última semana, uma mulher caiu na minha frente, no meio da rua e da multidão, cega, solitária e inabalável. cair talvez seja a forma encontrada por ela para estar com alguém, mesmo que por segundos. foi o modo de pedir o pastel. levantá-la, foi a minha maneira de comer junto e de respirar no meio de uma tarde cheia de sol, de sorrisos amarelos e desatenções. no último mês, da mesma forma, uma senhora caiu a 10 passos de mim; teve uma convulsão e, no meio do correr da tarde de domingo e inércia, o samu acreditou que a urgência não era tão urgente que não se pudesse esperar.

esperar. esperar é só o que fazemos. esperamos o retorno. esperamos a própria espera. esperamos encontrar. e esperamos não encontrar.

ontem decidi fazer de ônibus o trajeto até a ufmg. passaria lá a minha tarde, inventaria entraves burocráticos para fugir dos entraves que se faziam presentes no trabalho. a necessidade de produzir e dar sentido a qualquer coisa a cada minuto, termina por me afastar da produção da própria vida, distorce e evita os agenciamentos. mas, com ou sem recalque, quedamos) e agora somos nós), muitas vezes, felizes.

sei que há uma série de buracos no que aqui se tece. mas não há tempo. e a dinâmica do que aqui se escreve é tentar se resolver em 4 minutos. 4 min ---ut--os.s.o.s. despejo.

despejo mais uma vez, atrás do devaneio, o que agora me quis escapar. decidi pegar aquele ônibus, matar e fazer renascer aquela tarde. saudosistamente, se é que existe. no meio do caminho, um menino-homem, da minha idade (se é que se pode medir), pendurava-se em um ônibus. corria mais que as próprias pernas. o ônibus dele correu mais que o meu. menos de 4 minutos depois, meu ônibus se aproximava do dele. menos de 4 minutos depois, tornei a vê-lo. na total inércia. ele havia, e sinto alívio por não ter alcançado esta parte, se descolado do lugar onde havia grudado. ele não se dirigia. talvez, como (os) nós, não se dirigisse há tempos. ele estava no chão, esparramado na avenida antônio carlos, na frente do iapi. o que havia de mais concreto naquilo era que saía muito sangue da sua cabeça. não havia nenhum movimento. e ninguém corria ao seu encontro. era estranho. era "o estranho". nem a necessidade humana de estar diante do trágico, nem a vontade de matar, conseguiam fazer com que alguém chegasse de pronto àquele lugar. meu ônibus passou. não saltei. posso pensar que o fiz porque estava com pressa, porque não havia como descer naquele lugar. mas eu, simplesmente, não quis. não pude. não pude também acreditar em como aquilo reverberava dentro do ônibus em que eu estava. a vida seguia. eu ligava para o samu, mais uma vez. ligava da mesma forma que liguei quando vi um senhor sendo jogado no capô de um carro. motivo: ele existia ali, naquele momento. da mesma forma, a samu não viria. ligava porque foi o número que eu conheci no dia em que meu pai morreu.

recebi do médico uma resposta. sim, porque eles são muito próximos. eles te colocam para explicar, calmamente, o que está acontecendo. vem um médico e te ouve. sim, recebi, do médico, uma resposta: sinto muito, sílvia. eu trabalho com dados. preciso de um número que me diga exatamente onde está caída esta pessoa. de fato, iapi, na avenida antônio carlos, não é um número. pois bem, poderia ficar pensando sobre a palavra referência e devanear, inventar, levantar hipóteses absurdas ou não. mas não, não há tempo. nem para mim. nem para você.

agora, deparei-me com um texto que me fez parar. está em um lugar chamado "para não morrer em silêncio". para não morrer em silêncio. agora, é inevitável otimizar (escrevo isto e parece que vem uma vida inteira para se pensar sobre) estes 4 minutos para falar comigo. e com você. você, tão pertolonge, ouve sem ouvir com seu fone de ouvido celular. você que não me vê. você, que justamente por isso, conforta o ato da minha fala e me permite acreditar, neste 4 minutos agora tão dilatados, que sim. sim. estamos.

_aqui esgarçou-se o tempo, esqueceu-se o jogo, cuspiu-se a palavra quase engasgada.

Um comentário:

  1. Estamos. Quatro minutos bastam para re-existir, para não morrer em silêncio.

    e o médico deveria saber disso!

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